quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Nigéria no Camboja! Transformações recíprocas intercontinentais. Isso é AIESEC meus queridos!!

Leia os adendos 1, 2 e 3 conforme aparecem na sequência do texto, pois é melhor para o conjunto. =)


Eu e Owna, o chefe de cozinha nigeriano.



             Eu nunca sei quando, acredito que muitos também não saibam...quando, quanto você pode se superar. Tanto é verdade que eu não sei qual era o limite anteriormente, apenas sei que era imaginário autoconstruído. Já estava me sentindo um tanto estranho, por mais que eu soubesse minha missão aqui neste país, com estes novos amigos ao meu lado, com um chefe que me adora, com crianças e adolescentes para os quais sou Deus na terra, por mais que tivesse tudo para estar perfeito o tempo todo, esse dia não estava. Algo em mim me dizia que eu não estava sendo bom o suficiente, não estava dando duro o suficiente, o campo passou por reformas e eu não estava trabalhando...então aproveitei para fazer meu turismo cultural.


            Aquele momento não conseguia mais comprar um souvenir, mesmo que cultural, mesmo que interessante, mesmo que por um bom preço: "Nossa, que custo benefício incrível!" Me fazia mal, sabia que dez minutos depois um garoto com um rosto terrível implorando esmola no sinal me traria sentimentos também terríveis. Não tenho como dar esmola para todos e sempre haverá mais deles do que minha boa vontade poderá ajudar. Mas mesmo vindo ao Camboja e pagando para ajudar, sentia que me transformo e me completo de tal maneira que voltaria devendo ainda mais. Não mais saberia o que fazer para sentir-me aliviado. A não ser racionalizar que algumas coisas simplesmente não estavam ao meu alcance. Pois este sentimento tem cura com a autosuperação, e com um capítulo interessante da história não apenas minha, mas de várias pessoas cujos destinos (uma garota especial gosta dessa palavra) se entrecruzaram na narrativa a seguir:
          Um dia anterior a esses pensamentos, um amigo mexicano que conheci aqui no Camboja me convidou para conhecer um autêntico jantar em um "restaurante de comida africana" coincidentemente perto de onde moro. Reticente quanto à generalização de todo um continente e procurando ser respeitoso com meus possíveis antepassados pedi pela especificação: "Que nação africana seria?" "Ahh, meu amigo! Nigéria e alguns poucos ganeses" respondeu, com grande confiança e propriedade. Fucking Awesome! pensei logo em seguida, aceitando o convite de prontidão.
              Quando cheguei ao local, um tanto escondido inclusive, notei tratar-se de uma pequena comunidade. Havia um corredor grande com duas mulheres e duas crianças, um aparelho de musculação com pesos enormes cromados muito lindos mesmo que fossem só pra decorar! O que não era, obviamente, pois quando adentramos o recinto tive certeza de que eu realmente não era o mais alto e robusto do Camboja¹, vi pelo menos 4 homens todos nigerianos, negros como haveriam de ser, cada um com pelo menos 1,80 robustos e fortes, sorrisos convidativos de orelha a orelha. Era nego pra marmanjo nenhum botar defeito! Senti um estranho orgulho, algo naquela recepção e ambiente já me afetara logo na entrada.
              Para quem não sabe a Nigéria fala inglês, portanto a conversa correu solta, livre. Falamos de tudo que queríamos. Nossos países, política, futebol...ai, o futebol...tomou conta do nosso tempo. Tão fanáticos quanto eu eles sabiam muito dos jogadores brasileiros. E eu sabia também dos jogadores nigerianos. O chef de cozinha que agora é muito meu amigo conhecia mais, seu nome é Owa. Conversamos sobre quando o Brasil perdeu para a que seria campeã Nigéria na semi-final das Olimpíadas de Atlanta, em 96. Jogo que eu assisti ao vivo aos meus 9 anos de idade. Dei a escalação da Nigéria para ele. Estarrecido por eu ter essas informações e por ser aparentemente novo perguntou-me: você pesquisou ou assistiu sobre isso??? - As duas coisas - respondi.  


Não resisto, então tenho que colocar esse vídeo aqui... rsrs




 Poderia transcrever nossas conversas sobre petróleo nigeriano, governo dos dois países, culinária e  sobre nossas cidades, mas deixaria este post longo demais. Entretanto, o mais importante não deixaria de narrar:

OWA: De que país vieram seus antepassados?
EU: Ohh, Owa, eu não sei exatamente... isso é uma vergonha.
OWA: Eles vieram da Nigéria.
EU: "WTF!? thought" Como você sabe???
OWA: Você disse São Paulo né?
EU: Ah mas meu pai que é o único negro, a família dele é do Rio...
OWA: Pois o trafico de pessoas foi o mesmo para estes lugares.
EU: ...  (pasmo)

... reflexão

...



pasmo...!

              Possivelmente descobri minhas origens. Pois tive que sair do Brasil, vir até o sudeste asiático, 22 horas de voo do meu país, 9 horas de fuso horário e chegar no Camboja para encontrar nigerianos... pra descobrir minha raiz africana, a qual meu avô, filho liberto de escravo ( meu avô paterno teria 109 anos se estivesse vivo) lutou amargamente para fazer seus filhos esquecerem o que considerava vergonha. Muito de nossa história foi apagada, não o culpo, foi ensinado assim. Sempre estranhei o sobrenome paterno PORTUGUÊS. Entretanto, neste momento foi ao meu encontro uma lembrança de que quando era criança meu pai fazia um  tipo de banana (absolutamente enorme, do tamanho de um mini-taco de beisebol) frita. E esse prato estava ali, na minha frente novamente. Outra coincidência?! Não creio. Algumas coisas, como essa, não se consegue apagar por sentir vergonha.


Absolutamente em casa, e em hora de partir prometi voltar lá em breve², no que o encontro mais importante também será descrito nesse mesmo post, em breve. Antes, um pequeno enxerto contextual...

              Estou morando em uma casa de família local com outros 18 estudantes voluntários da AIESEC, em sua maioria ali da Asia mesmo, Japoneses, Taiwaneses, uma australiana, uma indonésia e mais da metade de chineses. Eu do Brasil. Acontece que já tinha percebido, nos assuntos discutidos, uma certa visão estereotipada e perigosa acerca da população negra. Em específico, preocupou-me a visão de uma Taiwanesa...
              Ela é bonita, estuda contabilidade e adora números como todos os outros da casa, com exceção da Australiana que faz história. Diz não gostar de história e humanas em geral. Não sabe o que é mitologia grega, fala japonês mas diz não saber o que é um samurai. Teve aulas de etiqueta ao estilo conservador japonês, mas em sua terra, parecia ser um tanto rebelde quanto a isso. Enfatizava que algo que eu dizia não era educado quando se tratava da verdade nua e crua, se incomodava e dava risada, na verdade parecia mesmo era gostar de falar rindo: "haha, this is not polite!". Despreza toda cultura anterior a 6 meses atrás e gosta apenas de cantores que são jovens angelicais e isso significa menos de 25, a competência técnica é secundária, se é que existe como seu critério. Isso não é um julgamento e sim um perfil de fatos...meu querido amigo brasileiro não a odeie rs, essa tem sido a relação mais intensa que tive nos últimos 4 anos.
              Trouxe isso para justificar uma personalidade que define como black people todo negro que vê. Confesso que me incomodava no início, mas até hoje, um mês depois ela cutuca o meu nariz, não se conforma com o tamanho dos meus olhos e meu cabelo parece extremamente intrigante para ela, as vezes acho que ela prefere acariciar meu cabelo do que me beijar, sei lá,só impressão. Vejo que ela não teve contato NENHUM com nenhum negro ou descendente em toda a sua vida. Contou-me constrangida que não odeia nenhum deles, (claro né! ¬¬) mas que tem medo³, e que em taiwan os dois bolsistas negros obviamente de outro país que ela não sabe qual por não falar com eles, pois os amigos não deixam. Dizem que ele é Black People e a puxam de volta. Percebo que junto ao estereótipo há uma curiosidade profunda, uma admiração que não consegue disfarçar e isso é genuíno. Não sabe do preconceito que tem, mais uma vez, como meu avô, foi ensinada assim. É aqui que eu apareço...
              Eu nunca poderia deixar as coisas daquele jeito. Tivemos uma conversa séria mais nem tanto, em que eu procurava explicar o caráter dialético da realidade social dos negros ao redor do mundo, o que sofreram e ainda sofrem, como são tratados, sua cultura. Tudo isso com medo de que não pudesse ser absorvido imediatamente. Era informação demais. Era história demais. Seus melhores amigos, alguns europeus da França e Inglaterra alertaram-na desde sempre para o perigo da convivência com negros. Eles diziam ser os melhores em tudo, segundo ela. E ela parecia acreditar nisso... mas e aquela admiração? Não, ela não acreditava que eles eram melhores, apenas não queria e não tinha motivos para discordar ferrenhamente. Em abordagem diferente eu lhe disse: Se eles são melhores, acha mesmo que eles conseguiriam viver nas mesmas condições deles? Trabalhando pesado? Com aquele salário? Sem oportunidade? O silêncio e o seu arregalar de olhos me deram a resposta  inconsciente que eu esperava. Ainda tinha que completar: "Eles são tão humanos quanto você e eu, eles sentem medo, vergonha, abandono, choram quando alguem querido morre..." (eu sentia-me falando com uma criança) Sua expressão ia mudando artisticamente, seus olhos ficaram abatidos e procuravam o chão. Ela sentia vergonha e estava se curvando para trás se afastando de mim. Fiz-lhe calma e mostrei estar tudo bem. Ela veio próxima novamente e aquietou-se em mim novamente. Fiz com que ela me assumisse dois novos compromissos: que ela assistisse comigo um filme bem velho, de 1998 (rs), A Outra História Americana, o qual ela passou enérgica todo o tempo, e perguntando coisas. O segundo, seria ir comigo ao restaurante nigeriano... Com o mesmo receio curioso, ela aceitou.
             Não vou me alongar muito mais no encontro no restaurante, mas coisas importantes aconteceram. Ela teve medo de entrar quando viu meia duzia daqueles homens enormes dentro. A puxei pela mão e a apresentei como se deve. Minutos depois ela estava conversando sobre economia, culinária, e sobre Taiwan e Nigéria com perfeita desenvoltura, a vontade, deu gargalhadas barulhentas do qual me orgulho. Objetivo cumprido. Eu não fui o único a mudar profundamente com isso tudo. Mais pessoas nunca mais serão as mesmas...
                 Eis minha superação e minha contribuição que faltava, além de aprender, posso também ensinar, e isso é que faz a AIESEC tão incrível! Sempre senti algo pela Nigéria, nunca soube o porque, pesquisava sobre o país, admirava sua seleção de futebol e gostava de noticias relacionadas. Nunca fui muito religioso ou místico mesmo quando advogava pelo protestantismo, mas acho que aquele conceito de destino da minha Taiwanesa começa a ganhar força...



1-não que isso importasse muito pra mim, talvez em outros tempos mas não agora. O fato é que pensei isso antes por ter entrado em lojas para comprar roupas muito baratas mesmo e havia notado que não tinha um número que meu braço não ameaçasse literalmente rasgar se dobrasse o cotovelo e deixasse minha barriga de fora... e não é exagero. Já narrei em outros posts quão pequenos são os cambojanos. Não há gordos também.

2- Voltei outras 3 vezes lá, uma das vezes foi para cortar o cabelo pois não havia em todo o camboja, imagino, as tão comuns por aqui máquinas de cortar o cabelo, pois apesar de haver 3 cabelereiros por rua, e custar apenas 50 centavos de dólar, eles tinham em cima do balcão apenas tesouras e todo tipo de pentes para aqueles cabelos pretos e muito lisos da etnia khmer. Mas os nigerianos tinham, claro, e cortavam o cabelo ao som de uma música tradicional bem alegre que fazia o cabelereiro dançar nos intervalos entre
um ajuste e outro! haha. \o/

3- Ela, assim como todos os outros asiáticos tinham medo, percebi. Me contaram que seus pais os proibiam de viajar para América do Sul ou África, pois esses povos são perigosos em sua crença.


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